"Já vai tarde, mas que se lixe", André Lazarra (Texto planeado para dia 12 de Maio de 2017)
Lá vem ele no seu carro impermeável à crítica, rodeado daqueles que não o julgam, tal como não se julgam a si mesmos! E acenam, e o aceno é-lhes retribuído. A mais alta instância que retribui qualquer coisa. Diz-se próximo quando retira o vidro da sua frente, afirma estar protegido, mas esquece-se da última ocasião em que a mão invisível foi incapaz de desviar totalmente uma trajectória, tal como sempre é. E quem terá realmente "desviado" a bala? Seria o atirador assim tão certeiro?
Hoje, à medida que nos aproximamos de uma data literalmente incrível, não podemos senão maravilhar-nos à conta de um fenómeno que explica facilmente a natureza passiva e "ovelhosa" daqueles que vêem na ignorância e na sua associada ausência de vontade de efectuar um esforço o refúgio que moldará uma existência plena apenas na insuficiência.
Num ano algo conturbado umas crianças de pequeno porte comandavam, imaginamos supra-ineficazmente, um rebanho por entre os densos bosques e verdejantes lameiros portugueses. O seu trabalho árduo e longo que consistia no tratamento de animais irracionais e desobedientes requeria naturalmente um olhar constante e resultaria inevitavelmente na fadiga e na necessidade de a esbater, fosse na forma de um golo refrescante do cintilante ribeiro ou na forma de um encontro feliz com uns cogumelos saborosos. A tarefa que as crianças não conseguiram realizar com sucesso uma bela tarde, ora eram graúdos que mais!, foi identificar a distinção fundamental que afasta o míscaro de uma valente tontura. Conquanto mais não sabiam! E não adivinhariam como tamanho acontecimento iria influenciar de forma tão abrangente e total a vida de milhares de pessoas pelo mundo fora. Passado o tempo necessário ao brotar dos primeiros sintomas os pobres reuniram-se em torno de uma pequena azinheira num estado notoriamente alterado, pelo que todos os seus sentidos foram vítima de enfraquecimento. Outros dirão que este enfraquecimento é relativo, uma vez que apenas as capacidades de percepção e angariação de dados foram interceptadas e no seguimento da obstrução substituídas por momentos de enorme euforia e novas sensações impossibilitadas senão na posse das substâncias que as criam. Desta forma as alucinações auditivas e visuais típicas da ingestão de cogumelos errados produziram nos pastorinhos, pensando claro ter tomado a escolha gastronómica correcta, a ideia de ter falado com um ser transcendente. Veja-se que as quantidades ingeridas não foram suficientes para os retirar desta terra e transportá-los para o solo, mas tivesse sido o que não seria o dia de hoje? Neste ponto as clivagens relativas a esperanças acentuam-se pelo que o deixamos propositadamente subdesenvolvido, como os pastorinhos esfomeados. Caso se houvessem rendido ao solo o nome Fátima não suscitaria o que suscita, mas sim a pergunta "Quem é a Fátima?", e uma bonita estação rodoviária estaria ainda por edificar. Loca do Cabeço ou Loca da Cabeça?
O conto de fadas ganhou asas rapidamente e por certo o culto terá sido violenta e desonestamente incitado pelo Estado Novo. A mentira funda muitas coisas quando é credível. A componente ridícula de toda esta lenga-lenga assenta quer na religiosidade da população local, hesitante em tomar temas sérios por absurdos (devam-no à superstição e ao Senhor Pascal), quer no improvável desconhecimento da mesma de que as crianças mentem e muitas vezes fazem-no sem o saber, posto que nem a verdade conhecem ainda nem meios possuem para adoptar quaisquer comportamentos dignos face a um conjunto de factos. E hoje, devido unicamente à força tomada pelo movimento, a fonte de toda a história não é colocada no assento dos réus por aqueles que exercem um cargo de relevo nas estruturas eclesiásticas e são simultaneamente considerados homens de sabedoria e intelecto arguto.
Não é este o fenómeno social mais pernicioso? Como se suporta tão pesada falácia? Como não compreender que acreditar em algo para se acreditar em algo é um erro reprovável e um regresso à lama?
Assim hoje tomamos nas mãos o pesado fardo da vergonha dissimulada, consciente ou inconscientemente. E assim se perpétua uma tradição desenquadrada e totalmente afastada dos trâmites do bom senso. A Fé pode ser baseada em assuntos sérios e relatos históricos de algum relevo, esses discutem-se noutra altura, contudo não podendo de forma alguma assentar numa mentira inofensiva de três crianças em idade de não conhecer nada e na resultante vontade de sacralizar o acontecimento e assim justificar uma vontade de crença momentânea, servindo-se do carácter servil incutido aos pobres incautos cordeiros incapazes de formular qualquer pensamento próprio. Olham o sol de frente e crêem vê-lo mexer-se ignorando o óbvio facto de qualquer ordem nesse sentido provocará danos irreversíveis aos olhos, luzes ofuscantes que rebentam a vista e, claro, criam um movimento estranho nas córneas, das quais não passam. Pobres! Se seguem são destruídos, se quebram o seguimento encontram-se na impossibilidade de fazer frente ao Absurdo por não terem sido educados senão por oportunistas.
Habemus Ofendido.
César Editoras
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