sexta-feira, 26 de maio de 2017

Explosão Controlada no Beco do Julião

Se na madrugada do dia 25 de Maio de 2017 acordou com um grave estrondo e conjecturou a hipótese de um Holocausto Nuclear ou uma Trovoada estarem em curso desengane-se. Tudo não passou de um controladíssimo rebentamento dentro das 2 paredes do Beco do Julião, que por mera coincidência se estravazou ligeiramente em várias direcções ultrapassando o telhado, prontamente remediado com alguma fita cola.
Sobre uma explosão em si sabia-se da sua inevitabilidade, não da data específica ou causa provável.
Há uns dias atrás a fossa que constitui o fiel depositário de todo o lixo fisiológico criado no Beco transbordou pela primeira vez desde que foi construída, ou visceralmente aberta, em Julho. Para efeitos de renovação delegámos a Lenocínio Baptista a função de atingir o seu lodoso chão com uma pá e  abrir novos espaços. O fundo não era visível, pelo que fomos forçados a cair deliberadamente no acto da perfídia, ao informá-lo de que a profundidade viscosa se situava bastante mais acima do que na verdade se situaria. Assim que entrou, de prego diga-se, esbracejou e o capacete de mota que usou contra o cheiro e imundície rapidamente se despediu de nós. Embasbacados olhámo-nos interrogando quem iria efectivamente mergulhar na poça. Eis se não quando André Lazarra é empurrado e informado que a única forma de ser salvo é salvando Lenocínio também. Em retrospectiva condenámos este acto, uma vez que Lazarra, como reitera mais que uma vez por dia, nada tem pelo que viver e, consideramos, deixar-se afogar em fezes na esperança de que o seu empregador fosse legalmente punido não lhe pareceria uma má forma de se despedir. Contudo a única coisa presa àquela cabeça no momento descrito era uma meia outrora branca e a instintiva vontade de sair do buraco onde havia sido introduzido. Rapidamente encontrou Lenocínio, agarrou-o com o braço envolto ao pescoço e por uma corda estrategicamente disponibilizada içaram-se os colegas. Foi traumático, particularmente quando na ausência de um duche nas nossas instalações se viram obrigados a esperar até às 4:30 da manhã para poderem sair incógnitos. Sentimo-nos obrigados a informar o leitor, que contudo não cremos ter grande apreço por qualquer duas vítimas, do bom estado de saúde dos nossos compinchas, já despachados de uma importante consulta médica.
Após o desastre coube ao único Homem de Mãos Cavadas, Viktor Khazyumov, enterrar-se até ao pescoço naquilo que acredita pertencer-lhe maioritariamente e escavar até não mais conseguir. Os problemas de absorção da nossa fossa foram imediatamente colocados a nu quando, numa pazada violenta que Khazyumhov nos informou tomar pela última, o esgoto começou a esvaziar e um complicado cheiro a gás preencheu a pequena divisão. Khazyumhov, fumando um charuto como forma de travar o cheirete, compreendeu ter aberto um portentoso cano de gás e teve tempo de pronunciar (mal) as primeiras sílabas da palavra "Arredem-se" antes de ser revolvido pelos ares conjuntamente com o telhado do nosso estimado Beco. Tajique como é, de gema e coração, foi com alguma jocosidade que mais tarde nos garantiu esta não ter sido nem a primeira nem a mais grave explosão relacionada com gás em que já esteve directamente envolvido. Chama-lhe a técnica do contra-fogo, em que pele queimada não o pode ser de novo. Como o Beco nunca dispôs de gás (se soubéssemos deste fornecimento já o teríamos tentado desviar mais cedo) alegrámo-nos por termos virilmente afastado as prospectivas de futuros salpicos desagradáveis.

Assim regressamos ao início. Esperamos a compreensão do leitor e desejamos uma noite descansada,


César Editoras

sábado, 20 de maio de 2017

Contra Os Pastorinhos

"Já vai tarde, mas que se lixe", André Lazarra (Texto planeado para dia 12 de Maio de 2017)

Lá vem ele no seu carro impermeável à crítica, rodeado daqueles que não o julgam, tal como não se julgam a si mesmos! E acenam, e o aceno é-lhes retribuído. A mais alta instância que retribui qualquer coisa. Diz-se próximo quando retira o vidro da sua frente, afirma estar protegido, mas esquece-se da última ocasião em que a mão invisível foi incapaz de desviar totalmente uma trajectória, tal como sempre é. E quem terá realmente "desviado" a bala? Seria o atirador assim tão certeiro?
Hoje, à medida que nos aproximamos de uma data literalmente incrível, não podemos senão maravilhar-nos à conta de um fenómeno que explica facilmente a natureza passiva e "ovelhosa" daqueles que vêem na ignorância e na sua associada ausência de vontade de efectuar um esforço o refúgio que moldará uma existência plena apenas na insuficiência.
Num ano algo conturbado umas crianças de pequeno porte comandavam, imaginamos supra-ineficazmente, um rebanho por entre os densos bosques e verdejantes lameiros portugueses. O seu trabalho árduo e longo que consistia no tratamento de animais irracionais e desobedientes requeria naturalmente um olhar constante e resultaria inevitavelmente na fadiga e na necessidade de a esbater, fosse na forma de um golo refrescante do cintilante ribeiro ou na forma de um encontro feliz com uns cogumelos saborosos. A tarefa que as crianças não conseguiram realizar com sucesso uma bela tarde, ora eram graúdos que mais!, foi identificar a distinção fundamental que afasta o míscaro de uma valente tontura. Conquanto mais não sabiam! E não adivinhariam como tamanho acontecimento iria influenciar de forma tão abrangente e total a vida de milhares de pessoas pelo mundo fora. Passado o tempo necessário ao brotar dos primeiros sintomas os pobres reuniram-se em torno de uma pequena azinheira num estado notoriamente alterado, pelo que todos os seus sentidos foram vítima de enfraquecimento. Outros dirão que este enfraquecimento é relativo, uma vez que apenas as capacidades de percepção e angariação de dados foram interceptadas e no seguimento da obstrução substituídas por momentos de enorme euforia e novas sensações impossibilitadas senão na posse das substâncias que as criam. Desta forma as alucinações auditivas e visuais típicas da ingestão de cogumelos errados produziram nos pastorinhos, pensando claro ter tomado a escolha gastronómica correcta, a ideia de ter falado com um ser transcendente. Veja-se que as quantidades ingeridas não foram suficientes para os retirar desta terra e transportá-los para o solo, mas tivesse sido o que não seria o dia de hoje? Neste ponto as clivagens relativas a esperanças acentuam-se pelo que o deixamos propositadamente subdesenvolvido, como os pastorinhos esfomeados. Caso se houvessem rendido ao solo o nome Fátima não suscitaria o que suscita, mas sim a pergunta "Quem é a Fátima?", e uma bonita estação rodoviária estaria ainda por edificar. Loca do Cabeço ou Loca da Cabeça?
O conto de fadas ganhou asas rapidamente e por certo o culto terá sido violenta e desonestamente incitado pelo Estado Novo. A mentira funda muitas coisas quando é credível. A componente ridícula de toda esta lenga-lenga assenta quer na religiosidade da população local, hesitante em tomar temas sérios por absurdos (devam-no à superstição e ao Senhor Pascal), quer no improvável desconhecimento da mesma de que as crianças mentem e muitas vezes fazem-no sem o saber, posto que nem a verdade conhecem ainda nem meios possuem para adoptar quaisquer comportamentos dignos face a um conjunto de factos. E hoje, devido unicamente à força tomada pelo movimento, a fonte de toda a história não é colocada no assento dos réus por aqueles que exercem um cargo de relevo nas estruturas eclesiásticas e são simultaneamente considerados homens de sabedoria e intelecto arguto.
Não é este o fenómeno social mais pernicioso? Como se suporta tão pesada falácia? Como não compreender que acreditar em algo para se acreditar em algo é um erro reprovável e um regresso à lama?
Assim hoje tomamos nas mãos o pesado fardo da vergonha dissimulada, consciente ou inconscientemente. E assim se perpétua uma tradição desenquadrada e totalmente afastada dos trâmites do bom senso. A Fé pode ser baseada em assuntos sérios e relatos históricos de algum relevo, esses discutem-se noutra altura, contudo não podendo de forma alguma assentar numa mentira inofensiva de três crianças em idade de não conhecer nada e na resultante vontade de sacralizar o acontecimento e assim justificar uma vontade de crença momentânea, servindo-se do carácter servil incutido aos pobres incautos cordeiros incapazes de formular qualquer pensamento próprio. Olham o sol de frente e crêem vê-lo mexer-se ignorando o óbvio facto de qualquer ordem nesse sentido provocará danos irreversíveis aos olhos, luzes ofuscantes que rebentam a vista e, claro, criam um movimento estranho nas córneas, das quais não passam. Pobres! Se seguem são destruídos, se quebram o seguimento encontram-se na impossibilidade de fazer frente ao Absurdo por não terem sido educados senão por oportunistas.

Habemus Ofendido.


César Editoras