quinta-feira, 31 de julho de 2014

Sagas do Boqueirão - Episódio 1

Neste tempo de inactividade total por parte da nossa editora, numa altura na qual se deveria estar a importar com as datas e compromissos que perfazem o seu verão, incluímos aqui, no site, uma nova rubrica que provem das múltiplas aventuras que temos tido na nossa nova residência oficial.
Como sabem, o Beco do Julião teve de ser temporariamente abandonado por razões financeiras e agora o Boqueirão do Duro, em Santos, tem-nos acolhido de formas bastante peculiares. Nesta rubrica, iremos expô-las aos nossos ávidos leitores.

"Na passada noite de 22, após uma noite de cerveja não filtrada e sangria barata, levei uma moça estrábica para o Boqueirão. Desta vez não senti que fosse pagar mais do que já tinha. Ela cambaleava, embora não fosse o resultado da sua visão defeituosa. Não era cedo. Mas também não era tarde. Antes do amanhecer teria de fazê-la e desfazer dela. Nada de impossível, apenas ridiculamente complicado. A minha visão turva lembrava-me a hefeweizen que lhe tinha oferecido umas horas antes. Atrás da rapariga, e observando cautelosamente os carros, de modo a que estes não a atropelassem e me estragassem a noite, baixei a visão para entender se o meu incumprimento legal faria sentido ou não, se sairia a ganhar ou demasiado ensanguentado. O Gomes faria várias perguntas de manhã se o chão apodrecido do 2º andar cheirasse a cão. O Gome e o Khazyumhov, o nosso dono-de-casa dos Comuniquistões. Rapidamente fiz-lhe pé de ladrão à medida que subíamos a fachada do edifício. Já lá dentro, embora não ao nível que eu pretendia, fi-la reparar na insegurança que as tábuas de madeira proporcionavam ao espaço. Removendo os saltos-altos e avançando cautelosamente, a sua sobreconcentração na sua própria sobrevivência foi o suficiente para a poder empurrar para a frente. Primeiramente agarrando na fita cola, atirei-me para cima dela, de modo a evitar gritos e escapadelas. Surpresa a minha quando o chão efectivamente desabou, levando-nos para o primeiro andar, sítio onde nunca havia estado antes. Caídos sobre a pedra dura e fria, a mulher dos mil diabos apressou-se a levantar e a retirar da mala um objecto que me poderia danificar psicologica e fisicamente. No entanto, e usufruindo da minha clara superioridade enquanto entidade do sexo masculino peguei numa das tábuas que havia viajado connosco e atirei-a contra a sua rótula desprotegia, ajoelhando-a, embora não do modo que eu pretendia. Perante a situação em que estávamos inseridos, aproveitei para me levantar, e agora sim, terminar a tarefa, embora geralmente prefira que dure mais do que o habitual. Algo teria de ser feito e enfrentado a veracidade pensei "quanto mais rápido melhor, embora geralmente prefira que dure mais do que o habitual.  Algo tem de ser feito". Ladeando a sua cara com valentes vergastadas, uma trindade destas foi suficiente para a afastar dos seus sentidos. Ainda vital, foi banida da sua indumentária e adereçada de fita cola. Na boca para não gritar caso acordasse, ainda que não como resultado das minhas mais desejadas acções. E nas mãos, para não gesticular de forma não controlada, pois nas pernas não faria sentido criar uma barreira, um impedimento. Despachei-me. No entanto, e ignorando a mistura de sensações que sentia, apercebi-me, num raro estado de lucidez e razão, que algo teria de ser feito ao corpo inerte e ungido que se deparava à minha frente. Frio, embora e felizmente somente na cabeça de pensar, elevei-nos ambos num gesto heróico, no qual ainda hoje não creio, ao segundo e inicial piso e apressei-me a chegar e abrir o armário onde guardamos o álcool. Abrindo uma garrafa de Grant´s e a sua boca encarnada e inchada, depositei, no recipiente, a bebida de Belzebu, com o único objectivo de a fazer esquecer os malefícios e práticas irreproduzíveis às quais a submeti. Rapidamente meia garrafa já se tinha evaporado na sua boca que resistia em receber o que eu lhe dava, embora agora de forma mais leve, mas em maior quantidade. Uma poça amarela obrigou-me a entornar o que simplesmente não poderia mais entrar. Fiz os cálculos e rapidamente me apercebi que me poderia ter excedido a nível do alcoolismo da mulher que molestara. Desci a fachada que ambos havíamos subido uma hora antes, só que agora, em vez de fazer pé de ladrão, fiz ombro de gatuno. Afastando-me das poucas e ébrias pessoas que, ao regressar a casa, tornavam o local inóspito, fui obrigado a fazer desaparecer o corpo. Encostada contra uma carrinha do pão ficou Dionísia, nome do qual me lembrei após parte da intoxicação me ter passado. Hoje já não está lá, pelo que me levou a crer que ou foi raptada, ou morreu, ou simplesmente aceitou o facto de que, na noite passada ficara tão bêbeda que perdeu a carteira, exceptuando os seus documentos legais e as suas roupas interiores. Com as cuecas ensaguentadas ficaria eu, para mais tarde me recordar ou condenar. Até hoje nada soube da Dionísia. Talvez o seu desaparecimento da minha vida me cause ainda hoje transtorno, mas agora sei que foi melhor para os dois, esta separação, embora não inteiramente mútua. Se estás a ler isto, anda ter comigo mulher! Anda ter comigo para que eu te possa fazer esquecer de todas as maldições a que te subjuguei,  não com álcool importado, mas sim com amor! Muito amor! Um amor que te oferecerei com mais ímpeto, do que daquela vez em que te molestei no Boqueirão! Te amo! Vinde, agora tu também! São estranhas as condições nas quais nos apaixonamos, mas são reais e espero estar perdoado pelos meus erros e crimes contra a humanidade e estatuto da fêmea, mas juntos iremos mudar a nossa vida e quem sabe...o mundo!"

André Lazarra

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