domingo, 19 de março de 2017

O Que É O Pensamento Suicida?

Parte fundamental da experiência humana é o seu confronto inevitável com a morte. Com efeito, a vida é o único real contacto que com ela travamos, pois esse estado não é um estado de nós mesmos, mas sim algo que já não nos pertence. Somos passado e ultrapassados. Várias vezes ao longo dos anos nos deparamos com maior ou menor intensidade com O Facto Inegável. E cada um reage à sua maneira, tal como escolhe defender-se da forma que pretende.
O excepcional músico e poeta Tom Waits disse com razão, antes do lançamento do seu brilhante álbum "Bone Machine" de 92, que todo o Homem pensa no suicídio. Mas existe uma importantíssima distinção que merece ser feita, seja lá qual for o efeito que produz.
Nos tempos que correm, em que o Homem nasce num belíssimo sistema de objectivos e expectativas a que chamamos uma Sociedade livre, é normal que existam frequentemente desilusões e depressões. No entanto, existe também uma esquisita cultura criada em redor da imagem do jovem deprimido, do artista afectado, do "outkast" que transmite à juventude uma certa ideia de estilo. É perigoso, porque seguindo esses caminhos o destino final será sempre o ridículo desonroso. E, tal como nos tempos anteriores ao sucesso do verdadeiro artista afectado, é muito provável que ninguém ligue. É uma pseudo-tentativa de dizer "olhem para mim, sou um coitado misterioso". Acontece de facto com aqueles que, muito infelizmente, são vítimas de depreciações na escola. Também com aqueles que simplesmente vêem nesta imagem uma interessante escolha que não é realmente uma. E com outros casos-tipo inumeráveis.
Realce-se a distinção!
A diferença fundamental reside naquilo que realmente está em foco. Quando uma pessoa ordinária pensa no que seria retirar todo o conteúdo (e possivelmente parte da forma) à sua vida, pensa-se efectivamente no tempo posterior à sua morte. É um exercício intelectual interessante pensar como reagiria cada pessoa. O que se deixaria escrito que em vida a coragem não encontrou palavras para dizer? É essencialmente um pensamento capaz de nos situar socialmente. E não é nada mais nada menos isso que um "jovem deprimido" pretende ao desenvolver pensamentos suicidas, sobrevalorizar o seu real valor. Fantasiar que todos os seus conhecidos e desconhecidos ficariam extremamente tristes quando na verdade, caro Matias, ninguém ficaria nem choroso ou chocado à excepção daqueles que te são mais próximos. Na tua escola diriam, eventualmente, "que estúpido, foi-se matar. O Matias era mesmo estranho". O que o Matias não fez, aquilo que é verdadeiramente relevante num exímio pensamento suicida, foi focar-se na sua vida e na necessidade de a terminar. Uns centram a sua atenção no pós-vida, outros centram a sua atenção na sua vida actual. E esses últimos são aqueles que naturalmente "não querem saber". Já nada do que os segue lhes interessa, nada vale a pena ser pensado, nada os travará na sua decisão. Está tomada e não é uma chamada de atenção. Aquilo que os move não é uma vontade de se relevar, mas apenas de terminar este seu sofrimento. Não é um interesse egocêntrico como os outros, mas um interesse que o abrange o indivíduo apenas.
O foco no tempo. Esta é a diferença fundamental entre um pensamento suicida e um exercício intelectual interessante que pode ser esticado para onde não deve.

(Note-se que esta aproximação a uma distinção é talvez demasiado incompleta, genérica e abstracta, pelo que certos tipos de casos concretos como a auto imolação em protesto merecem uma análise igualmente específica).

Abraço,

César Editoras


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